A impiedosa constatação dos Sistemas de Saúde Públicos e Privados no século XXI é de que será cada vez mais imprescindível uma nova consciência coletiva voltada ao autocuidado e à autogestão dos indivíduos com relação à sua Saúde.
Quase todas as soluções verticais, centradas no Estado ou no Mercado, orientadas a equilibrar a relação de custeio e qualidade assistencial mostraram-se insuficientes nas últimas décadas. A cesta de soluções horizontais para (1) minimizar os custos médicos, (2) melhorar a escala assistencial, (3) absorver as demandas da maior expectativa de vida e, acima de tudo, (4) atender as necessidades de um usuário cada vez mais exigente, lograram êxitos parciais e muito aquém do desejado.
Seja pela pressão das patologias crônicas, ou pela simples conveniência de um indivíduo cada vez mais informado e menos disposto a aceitar passivamente o que lhe é imposto, os Sistemas de Saúde vêm desmoronando em sua missão de sustentar plenamente as demandas sanitárias dos usuários. Nesse cortejo fúnebre, os gastos com Saúde nos EUA já superam 16% ao ano, sendo mais de 11% na França, Alemanha e Dinamarca, países com forte determinismo em equilibrar suas contas sem deixar desassistido o usuário do Sistema.
Se o custeio cresce na ponta do financiamento, cresce mais na ponta da cobrança de uma sociedade dia a dia mais exigente. Em 2020, praticamente um em cada três cidadãos dos países em rápido desenvolvimento estarão dentro da chamada “classe média”. Em 2030 esse percentual deverá chegar a 50%. Esse universo de emergentes aspira não só viver mais como viver melhor, forçando a pressão sobre os Sistemas de Saúde.
Em outras palavras, o arquétipo da atenção primária do Século XXI deverá distanciar ao máximo o paciente do hospital, e desenvolver uma plataforma de autocuidado bem integrada com a gestão médica. Em Beijing (China), por exemplo, médicos já são treinados a serem guardiões da Saúde, ou seja, produzem um esforço adicional para manter os indivíduos longe dos hospitais. Não é diferente no Reino Unido, onde o National Health Service (NHS) caminha nessa direção há um bom tempo.
Pesquisa da agência norte-americana “National Center for Health Statistics”, publicada em janeiro/2014, mostra os resultados nos EUA à Lei HITECH 2009, que objetiva incentivar a implantação e a utilização do Electronic Health Record (Registro Eletrônico do Paciente). Segundo a agência, quase 80% dos consultórios médicos (ou ambulatórios) já possuem e utilizam algum tipo de EHR (60% de aumento com relação a 2001, e quase 50% a mais do que em 2008). |
Esse gigantesco esforço de produzir valor, reduzir o custeio e acomodar as conveniências mínimas dos usuários só poderá ser realizado através de três eixos: (1) planejamento de longo prazo, (2) determinação política e (3) forte adoção das tecnologias de informação e comunicação. Não faltarão variáveis que acelerem ou retardem as iniciativas nessa direção, mas sem os três elementos acima torna-se impraticável prover sustentabilidade aos Sistemas de Saúde.
A necessidade de atuar em escala dilatada (com acesso crescente de indivíduos aos bens de consumo), de forma preventiva, com instrumentos integrados, em âmbito industrial (mas mirando a personalização da assistência), leva quase todas as nações a adotar as Tecnologias de Informação e Comunicação em Saúde (eHealth) como núcleo sistêmico da arquitetra sanitária. O Século XXI decretou o fim da utilização periférica da tecnologia no setor de Saúde.
As transformações comportamentais dentro da Cadeia de Assistência à Saúde são imensas, ainda que distantes da base da pirâmide social. Mas, com quase 70% dos habitantes do planeta tendo acesso à telefonia móvel, é impensável que as tecnologias e os novos padrões comportamentais deixem de chegar em breve aos menos favorecidos. Alguns países africanos, por exemplo, dão sinais inequívocos de adoção crescente de modelos em TeleHealth para suas necessidades mais prementes.
A utilização eficaz e massiva do ambiente eHealth, que hoje movimenta boa parte do mainstream dos Sistemas de Saúde, vem sendo escoltada pelo excepcional desenvolvimento da indústria de hardware e software para o ambiente clínico. A extraordinária expansão da indústria de medical devices, por exemplo, alavancada pela nanotecnologia e nanomedicina, mostra que estamos apenas no início de uma exuberante revolução que envolve todos os aspectos da assistência médica.
Problemas que até aqui nos pareciam insolúveis, como a obesidade (que já atinge 2,1 bilhões de pessoas, ou quase 30% da população mundial) recebem todos os dias dezenas de estímulos que gravitam em torno das TICSs (aplicativos de controle alimentar, terapias residenciais monitoradas, biossensores inibidores ou estimuladores, etc). Certamente que a ciência médica é a locomotiva dessa composição, mas graças também as tecnologias de informação é possível hoje ter-se acesso a um imenso arsenal de dados, informações e conhecimentos que suportam os ambientes científicos, facilitando as descobertas.
Exemplo da expansão conceitual de eHealth foi dado no Congresso Mundial de Cardiologia, promovido pala Federação Mundial do Coração (World Heart Federation), realizado em maio de 2014, um dos mais importantes eventos para melhoria da Saúde humana. Uma das conclusões do Congresso foi publicada pela própria Federação: “eHealth: the dawn of a New Era in Cardiovascular Disease Prevention and Management”. Ou seja, um dos mais importantes polos de ciência e tecnologia para discussão das doenças cardiovascular é unânime em apontar o advento eHealth como um divisor de águas para uma nova Era na assistência cardiológica.Há uma década essa constatação era impensável. |
Prevenção, predição, monitoramento residencial, consulta à distancia e outras verticais outrora impossíveis de operacionalizadas em escala, deixam de ser panaceias e passam a ser elementos-chave na governança sanitária. Essa maiúscula transformação só consegue ser efetiva e gerenciável através das Tecnologias de Informação e Comunicação.
Inúmeros exemplos mundiais da utilização de eHealth, em Sistemas públicos e privados, vêm mostrando que as nações e os centros de desenvolvimento tecnológico estão cada vez mais concentrados em prover elementos que facilitem a verticalização da gestão da saúde, colocando o paciente no centro da Cadeia de Assistência.
A Comissão Europeia (European Commission), por exemplo, tem centrado boa parte de seus esforços e investimentos no desenvolvimento de projetos em eHealth capazes de reduzir a explosão do custeio e posicionar o paciente no centro Sistema. A Itália, por exemplo, economiza hoje 1 Euro para cada 9 Euros gastos em procedimentos médicos graças as ações realizadas em eHealth. Só na Holanda, 83% dos atendimentos já estão sendo realizados utilizando o Registro Eletrônico do Paciente. O mesmo na Dinamarca (80,6%) e no Reino Unido (80,5%). Estônia, Croácia e Suécia realizam hoje mais de 95% de suas prescrições médicas eletronicamente. O mesmo ocorre na América do Norte, Ásia, Oceania, regiões da América do Sul e até em alguns países da África.
Os dados e projeções abaixo podem alicerçar os argumentos sobre a forte tendência de expansão do setor de eHealth.
Dados | Fonte | Estudo | Data de Publicação |
| GSMA | Setembro/2013 | |
| International Data Corporation (IDC) | “IDC’s Middle East and Africa Healthcare Provider” | Dezembro/2013 |
| Mobile Future Infield Health | “2013 Healthcare Benchmarks: Mobile Health” | Dezembro/2013 |
| Federal Communications Commission (FCC) – EUA | “National Broadband Plan” | Março/2010 |
| U.S. Department of Health and Human Services (EUA) | “Use and Characteristics of Electronic Health Record Systems Among Office-based Physician Practices: United States, 2001–2013” | Janeiro/2014 |
| European Commission DG Communications Networks | “Benchmarking Deployment of eHealth among General Practitioners (2013)” | Julho/2013 |
| Canada Health Infoway | “Canada Research Chair in Information Technology in Health Care” | Março/2014 |
| International Data Corporation (IDC) | “China Government Kickstarts New Chapter for Healthcare Reform; Brings New Emphasis to Informationize the Healthcare Market” | Dezembro/2013 |
| Center for Technology Innovation at Brookings | “mHealth in China and the United States” | Março/2014 |
| National Science Foundation (NSF) | Fevereiro/2014 | |
| Transparency Market | “Nanomedicine Trends and Forecast, 2013 – 2019” | Janeiro/2014 |
| Parks Associates | “Virtual Care: Technologies & Business Models and Independent Living At Home” | Fevereiro/2014 |
| WinterGreen Research, Inc. | “Telemedicine and mHealth Convergence: Market Shares, Strategy, and Forecasts, Worldwide, 2013 to 2019” | Setembro/2013 |
| South-Africa Health Information Systems Programme (HISP) | “HISP E-health Activities in Africa” | Agosto/2013 |
| BuddeComm | “Global Digital Economy – E-Health, E-Government and E-Education Essential to the Future” | Fevereiro/2013 |
| IHS Technology | “Global Telehealth Market Set to Expand Tenfold by 2018” | Janeiro/2014 |
| Manhattan Research | “Taking the Pulse U.S. 2013” | 2013 |
| Kalorama Information | “Advanced Remote Patient Monitoring Systems” | Março/2013 |
| PWC Pricewaterhouse Coopers | 2013 |